Poesia de Lavadeira
Encontrei-a, por acaso, depois de muitos anos de ausência desta cidade. Cabeça branca. Passos trôpegos. Olhar firme. Voz suave.
Seu rosto e seu nome não me eram estranhos. Tivera uma vida simples como até hoje. Maria nasceu pobre e continuava pobre. Acomodara-se dentro da sua funda solidão, sem revoltas nem queixas. Mas, sentia-se feliz ao relembrar toda a sua mocidade: O tempo em que vivera junto ao nosso Itapecuru, sorvendo a doce brisa das águas mansas do rio. Pés descalços, cabeça soterrado pelo peso do fardo de roupas, assim Maria inclinava a faina de todos os dias, nem bem o sol surgia.
Alegria no rosto simples. Bondade no coração sem maldade. Maria ficava diante da paisagem imutável do rio, contemplando suas margens tranquilas e verdejantes. Seu mundo era aquele pedaço de chão. E suas recordações eram os segredos que aquelas roupas guardavam.
Foi lavadeira de quase todas as casas de família desta cidade. Lavou roupas grossas e finas, de pobres e ricos. De velhos e de moços. Mas o que ela gostava mesmo era de lavar roupas dos casais em lua de mel. Roupas que denunciavam momentos vívidos de amor. Noites de prazeres e madrugadas de sonhos. Roupas que falam. Roupas que vivem. Roupas que eram levadas para a fonte ainda com o suor das intrigas e dos mal-entendidos. Roupas de músicos com todas as notas musicais. Roupas tristes de amores extintos. Roupas alegres, belas como as rosas, vivas como os lírios. Roupas que representavam, em suma, a vida de seus próprios donos. Roupas que não tinham segredos para Maria, a lavadeira.
E Maria tinha também os seus segredos, as suas recordações, a história de seus próprios amores. E quem não os têm?
Gentil Meneses
O autor completaria, hoje,
94 anos, se vivo fosse.
Hoje, o céu está em festa. São Pedro de portões escancarados para receber os mais ilustres convidados, com toda pompa e circunstância. Era assim que o velho Gentilin gostava.
Que seja feita sua vontade.