No Diário Oficial do
Estado do Maranhão de 30 de novembro de 1990 foi publicado o Decreto nº 11.681 de 20 de novembro de 1990,
que tombou o “Centro Histórico,
Arquitetônico e Área Paisagística do Município de Caxias”. O objetivo
professado era o de conservar o patrimônio histórico da cidade, uma intenção
louvável. Mas, como diz a sabedoria popular, nem todas as boas intenções tem o
seu lugar no céu. Passados 22 anos, parece ter chegado a hora de avaliarmos se
esta intenção tem, de fato, atingido um resultado satisfatório.
O tombamento do Centro Histórico de Caxias incide sobre um
conjunto de bens, tomados de maneira coletiva, não específicos. Ele compreende
uma área geográfica abrangente, desmesuradamente extensa, pois contém elementos
de significados irrelevantes, uma vez que nem todos os bens tombados, pelo
mencionado decreto, têm valor histórico para a memória coletiva.
Aparentemente o mencionado decreto ignora dois fatores
importantes quando se trata de pensar os aspectos históricos de um lugar:
primeiro, que a história é dinâmica; segundo, que a memória é afetiva. O que
isso quer dizer? Que a história não é uma imagem estática do passado, ela se
faz no presente também. Assim, Caxias não é histórica
apenas por causa das coisas que aqui aconteceram, mas também das que ainda
estão acontecendo.
A cidade não poderia ser condenada pelas letras de um
decreto a permanecer, em 2012, com a mesma imagem que tinha em 1990. A
sociedade se transforma, novas necessidades surgem – relações comerciais,
culturais se desenvolvem e inevitavelmente se refletem em alterações espaciais
na cartografia da cidade. Não se pode ignorar o dinamismo da sociedade – o
próprio dinamismo da história.
Além disso, não podemos deixar de observar que as leis de
tombamento só fazem sentido se, de fato, os monumentos tombados significarem
alguma coisa para a comunidade. Ora, o objetivo de qualquer tombamento é
conservar elementos arquitetônicos, paisagísticos (naturais ou não) que tenham
significado cultural para a sociedade. Se a própria sociedade não tiver
afetividade pelos prédios, pelos rios, pelos morros – o prédio é só um prédio,
o rio é só um rio, o morro é só um morro.
Não se pode negar que, em Caxias, existe um sentimento forte
que liga a identidade da comunidade, por exemplo, ao Rio Itapecuru, ao Morro do
Alecrim, aos prédios das antigas fábricas e igrejas. Mas, este sentimento é bem
direcionado: ao lado da Igreja dos Remédios (inegavelmente um patrimônio
histórico e cultural de Caxias) existem construções que não tem o mesmo
significado afetivo e valor histórico para a comunidade. Logo, não faz sentido
proteger toda a abrangente área quando só o templo e seu entorno necessitam de
proteção.
A memória é, sem dúvida, uma obrigação das gerações
presentes com as gerações passadas. Mas a construção de novas realidades é
obrigação das gerações presentes com as futuras. Não se pode deixar que os
testemunhos arquitetônicos e paisagísticos do passado se percam, pois neles a
memória dos que vieram antes de nós é mantida viva e, como afirmou Ernest
Renan, “o culto as ancestrais é, de todos, o mais legítimo”.
O pior de tudo é que, no final das contas, o tombamento não
protege nada. Muitos prédios antigos, que tinham traços importantes de estilos
de época, foram drasticamente alterados ou completamente destruídos, mesmo após
o tombamento coletivo. Qual a razão disso? A não especificidade do tombamento.
Uma vez que o decreto tomba tudo, ele não tomba nada. Uma vez que ele é
genérico e impreciso. De forma que, se não aparecem homens com marretas
demolindo fachadas outrora adornadas com delicados arabescos, os proprietários,
ansiosos para construir algo novo, apenas esperam que a chuva, o vento, o sol e
o vandalismo destruam paulatinamente o “patrimônio histórico”. Quando tudo
estiver no chão, amontoa-se o entulho e a história segue o seu curso.
Não se pode duvidar das ótimas intenções do decreto de
tombamento de 1990, mas também não podemos ignorar o que está diante dos nossos
olhos. O decreto não apenas não tem ajudado a conservar o patrimônio existente,
como, em alguns casos, tem atrapalhado o desenvolvimento de um patrimônio novo.
Então, o que se propõe? Que o espaço tombado como Centro Histórico, Arquitetônico e Área
Paisagística de Caxias seja destombado
– para o bem do próprio patrimônio histórico da cidade. E que um novo processo
de tombamento, mais sofisticado, educado pelos equívocos do passado, seja
feito. Um tombamento específico, prédio, por prédio, que deixe claro as
responsabilidades, tanto do proprietário do imóvel quanto do Estado, na
conservação.
Afinal, é uma das funções da História, fazer-nos aprender
com os erros do passado, a fim de projetarmos melhor o futuro. O tombamento do
Centro Histórico de Caxias já está caindo por terra, ele tem equívocos que precisam
ser corrigidos, e essa necessidade é urgente.