6 de novembro de 2009

São Luís rebelada

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Adailton Medeiros
Revoltoso Ribamar Palmeira

Mudo, antes o tiroteio comeu alto, roçou de ponta a ponta a lei falou sua fala. Sim, a fala-força dos fuzis, das balas, não belas, amarelas. Bolos mortos. Para se ir à morte não é preciso passaporte. Um quieto donmina a praça Dom Pedro II. Gente morrida matada, corpos sangrando, lares sem pais, filhos, tudo, prostituição. As gentes estavam rebeladas: a corrupção, as velhas estruturas, o caciquismo e o sindicato da fraude. Universidade da fraude(A mão maquiavélica de Vitorino. "Uma porca será eleita, atépro Senado, se ele desejar - diziam) assim chamaram.

- Escuta esta, falabaixo, dizem que foimuita gente enterrada viva, só com a perna quebrada, por exemplo, mas era ordem superior.Moradores dali de junto do São Pantaleão contam que ouviam os gemidos, os apelos.

Naquela noite, sábado, agosto de 1949, uma vez mais, o trem chega atrasado. A impresão do homem que veio do interior é de que ele ia parar dentro do mar. Cheiro de mresia, de mangue. Pisou terras da ilha de São Luís desarvorado, tonto do sacolejo do trem, Riba.

Se fose morar em algum hotel teria deixado lá sua ficha: José de Ribamar Palmeira, brasileiro, maior, natural deste Estado, casado no padre e no civil com dona Maria das Chagas Campos Palmeira, pai de cinco filhos: Antonio, Cândida, Maria dos Anjos (morta), Joaquim e José de ribamar (Ribinha), filho de antonio Joaquim Palmeira e dona Severa Ramos Palmeira, lavrador, nascido no dia primeiro de maio de 1914.

Não, não foi asim. Riba, pobre que sabia ler e escrever, foi ficar hospedado no João Paulo, na casa de um conhecido que o convidara.

- Riba, meu compadre, vem pra cá, deixa a família aí, depois, quando as coisas se ajeitarem, manda vir.

Homem barbado, cheirando.

Saudade de Das-chagas, dos meninos, dos pais, dos amigos, do Lago-dos-bois onde nasceu, do Buriti-cortado, ande conheceu a primeira mulher, da Mata-virgem, onde deixopu sua gente, de Caxias, onde pegou o trem.

Nos primeiros dias de capital trabalhou de vender, nas ruas, xamatô que ele conhecia pelo nome de tamanco. Vara no ombro: um bocado na frente, outro atrás, pendurados. Depois apanhou sururu na lama, papa-merda, detrás do cemitério. Esgotos despejando sujeiras. Maré baixa. Carangueijos. Pensamentos, reinações, cismas. Lia os jornais quando tinha tempo não deixava de ir à Biblioteca Pública ver, rever poetas, escritores, jornalistas, políticos, santos, canalhas.

- Um dia desses vou te apresentar pra Dra. Maria José Aragão, não conta pra ninguém não. Ela é líder do partido e dona da Tribuna. Vai te dar mais luzes, acho, emprestar livros, e até remédios pode arranjar para o pessoal da Mata-virgem. Muita gente daqui da Estrada, eles vão nessas reuniões. Mas cuidado com os entreguistas, acrescenta Benedito Ferroviário.

Quase dois anos mais tarde, São Luís pegou fogo, o Estado ficou quente. Primeira quinzena de março de 1951. Eugênio, o governador, tomara posse sem eleições complementares. A ilha toda era oposição. Revolta. Tensão. Cabras. Jagunços. De hora a hora o povo estava mais decidido: morrer mas não deixar o homem nos leões. Todos eram leões com um só fim: derrubá-lo, devorá-lo.

Os cadáveres amontoados nas caminhonetes da polícia. São Pantaleão os espera, lá no fundo, cova rasa, casa para mais de um. Do outro lado, muro além, o fedor dos mangues, e os catadores de siris, como ele nos primeiros dias. Vão, corpos sobre corpos, cara nas virilhas, numa promiscuidade de morrer.

Então, o caboclo de 37 anos, incompletos, nascido no Lago-dos-bois, antigo Quer-ver, mergulha numa bola violeta alaranjada, um tiro verde-vertigem o embrulha total. Tu, Riba matado, Riba vivendo, Riba a Falar. Ninguém procura quem é este, quem foi, que fez, e que aqui veio fazer. Onde mora, se tem mulher e filhos.Se foi um lutador.

Fala, menino, falando uma fala de sons inaudíveis, passados longe, baladeira na mão, pombas nas capoeiras, por entre cuncas e pindobas de babaçu.

Uma caminhonete em veio-cidade, rola de rua, andou perto de derrapar numa esquina.

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