17 de novembro de 2009

CRÔNICA DA SEMANA

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Labirintando na Feira de Arapiraca

Vitor Gonçalves Neto


A madrugada me acorda com seu vento frio de chuva neste quarto alto de hotel desta cidade que depois de muitos anos novamente me acolheu. Pela janela aberta talvez no rumo do nascente diviso a cruz paidégua que domina toda a paisagem das terras abençoadas por Nossa Senhora do Bom Conselho. Do outro lado sei que ficam as instalações modernas do Grupo Coringa apurando o fumo da região. E no meio se espalha a feira livre cobrindo cerca de trinta ruas e travessas. Becos e praças. Vielas e avenidas transformando tudo num enorme labirinto. É tão complicado que nem sei se vou conseguir localizar aquele boteco infame em que me embriaguei à noite de ontem quando cheguei. Com algumas dezenas de doses de vodkas e tira-gosto de culhões de bode genuíno de Alagoas.

Arapiraca: “Planta com gosto de mel”... “Ramo que a arara visita”... Terra em que além de confirmarem que Deus é brasileiro ainda afirmam que nasceu aqui. Pelo que não adianta contestar, mesmo o próprio sendo agnóstico ou ateu... Que nem eu. Deixa pra lá! O certo é continuar sob esse chuvisco seguindo os meus próprios passos (dobra aqui, dobra acolá). Na falta daquele boteco entro em qualquer outro e me embriago do mesmo jeito. E seja o que Deus quiser!Faz uns quarenta anos que aqui aportei pela primeira vez e por engano se não estou enganado. Mas a demora foi rápida. Tão logo a polícia me farejou tive de me escafeder depressa no rumo de Sergipe com minha maleta de jóias falsas enroladas em panfletos comunistas. Fui dar com os costados em Maruim onde fui pastor protestante e... Bem mas isso não vem ao caso agora. O importante é que me ficou para sempre da época a lembrança desta feira de Arapiraca que me envolve agora nesta manhã brumosa e onde passeio neste instante minha importância relativa.

Vou andando e o emaranhando cada vez mais neste labirinto de bancas e pregões. Pisando em peça de pano e sentindo o cheiro de frutas maduras. Raízes de plantas medicinais. Perfume de putas pobres. Aqui as verduras. Ali as redes. Mais adiante as estampas de santos. Comidas típicas. Orquestras de pau e corda. Tudo o que se posa imaginar na feira de Arapiraca tem. Desde óleo de rícino até postais da rainha Elizabeth. Desde espiga de milho assado até pentelhos de cutia. E então já com meia dúzia de doses ingeridas deixo um “lambe-lambe” me fotografar para a posteridade... Ah! Este cheiro melado de fumo me enchendo as narinas e os pulmões e aquela mulher bêbada sentada de pernas abertas mostrando até os intestinos. De mais além vem uma música de gramofone e os gritos de um camelô misturado às estrofes de um desafio entre dois violeiros do sertão da Paraíba ou adjacências. Mas finalmente creio que reencontrei boteco de ontem no meio do labirinto. Abanco-me e deixo a cabeça pender num sono de sonhos vãos...

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