Não fique assim, poeta, desvanecido, como quem entregou Jesus. Trabalhar mesmo ficou pra Sísifo, condenado à exaustiva tarefa de empurrar pedra morro acima. Essa perlenga toda, contra o poeta é da raiz de Platão: "No entanto, não acusamos ainda a poesia do mais grave dos seus malefícios...”
Trabalhar pra quê, meu poeta? Não vale a pena suar a rabadilha pra ser apropriada pela mais-valia. Esquenta não, meu caro, porque essa história de desídia vem de lá dos primórdios, contra os índios, que não se deixaram escravizar. Agarre-se mesmo é ao ócio criativo, esta é a sua praia. Observe as passantes; monumente - como lhe ensinou Manoel de Barros - as coisas ínfimas, desimportantes; areje o pensamento e mande bala de versos pra cima do mundo.
Porém, se tu não virares estátua de bronze em Guadalupe, pelo menos tentaste transpor o Bojador. O diacho é aquela historinha contada por Leminski: na travessia do navio jogaram o poeta ao mar revolto para acalmar os nervos de netuno, e assim a vida seguir sem graça alguma em águas de almirante. Quanto à ausência do vil metal para matar o vício, PE. Vieira já te deixou lição: "Não é grande a culpa, quando alguém furta, se furta para matar a fome."
Ora, poeta, depois Deus perdoa.
