26 de outubro de 2009

NO DIVÃ DAS PALAVRAS

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Gilvaldo Quinzeiro


A FILOSOFIA CABOCLA, RISCAR O CHÃO



O caboclo quando risca o chão está pensando. Aliás, no caboclês ou no nheengatu se diz matutar. Riscar, pois, o chão com a ponta dos dedos, significa manipular com as mãos o abstrato, ou seja, pensar usando a “cabeça dos dedos”, termo bem apropriado para a filosofia cabocla. Diga-se de passagem, que a “filosofia cabocla” é a única que tem explicação para tudo, do contrário o que seria o viver destes homens? “Quem não pode com a “rudia” não pega no pote” - diz assertiva cabocla.

Besta é quem pensa que matuto não vive de matutar! Aliás, nas condições enfrentadas pelo caboclo, o pensamento que não corresponde à praticidade, é o mesmo que riscar o chão com o dedo para depois ter o risco apagado pelo vento, o que levou em seguida o caboclo a fazer uso de um graveto para, não obstante as intempéries, continuar o seu pensar, isto é, riscando o chão.

Riscar o chão com o graveto em substituição aos dedos não só significou apenas deixar marcas humanas mais profundas na imensidão do chão, como também um sinal de desejo em perpetuar o que só em outras regiões, tal como no Egito se conseguiu ao substituir o chão pelas pedras.

“São as pedras que nos ensinam os caminhos!”. As marcas indeléveis cravadas nas pedras, desta feita com uso dos dedos banhados em sangue - anunciaram também que pensar é ter poder, e que este, assim como as pedras, tem que ser perpetuado a todo custo!

Os soberanos mesopotâmicos, astecas e egípcios souberam bem petrificar sua soberania escrevendo leis ou erigindo túmulos e templos em pedras.

Os nossos caboclos, no entanto, mesmo sem edificar nada em pedras, e tendo seus riscos no chão varridos pelo vento, criaram uma das mais sábias e prósperas das civilizações - a Civilização da Mandioca  extraindo de um veneno em potencial, a mandioca, sua principal fonte de alimento. E na farinhada o conhecimento da “química”, da “física”, tudo isso sem perder de vista a socialização. Isso sem falar nos vários derivados da mandioca, a saber, a farinha de puba, a farinha branca, o grolado, a tapioca, o beiju etc.

Hoje, porém, no tempo em que há manga e caju apodrecendo no chão dos quintais, enquanto os meninos se empanturram de biscoitos recheados, sucos artificiais e enlatados, riscar o chão com o dedo significaria, no mínimo, usar mais a cabeça do que a bunda!

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