Os melhores anos de nossas vidas
Antônio Augusto R. Brandão
Na Caxias daquele tempo ia-se muito aos cinemas, ouvia-se muito radio (minha mãe “viajava” com as novelas da Rádio Nacional) e lia-se, com atraso considerável, a revista O Cruzeiro. Os serviços de alto-falantes encarregavam-se do noticiário local e de embalar os corações enamorados de moças e rapazes a “rodar”, sempre em sentido contrário, na Praça Gonçalves Dias.
Tenho certeza que os quinze anos posteriores à Segunda Guerra Mundial foram os melhores do século XX. Do final da guerra lembro-me bem: morávamos no Largo da Matriz, numa casa mais tarde habitada pelo Rubens Lami, um dos paulistas a serviço da Fábrica Manufatura, já sob o comando do professor José de Augustinis, outro paulista feito caxiense pelos usos e costumes da época. Naquele dia os empregados do Armazém Eugênio Barros e os da Rianil “espocaram” foguetes, e os alto-falantes tocaram o Hino Nacional. Em 46, comecei a torcer pelo Fluminense, consagrado supercampeão vencendo o Botafogo, com um gol de Ademir. No mesmo ano, ingressei no então famoso Ginásio caxiense, com a direção sempre lembrada do professor Lafayette de Mendonça; em 54 fui para o Rio de Janeiro, ainda sem a violência dos dias atuais, pois andava-se de bonde, da Cinelândia à Copacabana, tarde da noite, sem nenhuma perturbação; em 59, concluí meu curso de Economia; em 59, fiquei noivo. Um suceder de bons acontecimentos. Depois vieram fatos também importantes, como o meu casamento, em 61, e o nascimento dos meus quatro filhos, em 61, 64, 67, 76.
Em Caxias, na década de 40, principalmente, era a época dos grandes musicais do cinema. O Cine Rex, do Carvalho Neto, exibia-os às terças, na “Sessão das moças”, intensamente freqüentada pelos jovens de então. O Pax, do Waldemar Lobo, preferia exibir as operetas e os seriados. Até hoje não compreendo como nossa cidade permitiu o total desaparecimento dessa inigualável forma de entretenimento e de cultura. A televisão – ou qualquer outra projeção de imagem e som – jamais substituirá a chamada “sétima arte”.
Os alto-falantes complementavam o radio e o cinema. Existiam as Empresas de Propaganda Ondas Sonoras – EPOS, do Alderico Silva, e a Eletro-Acústica de Propaganda – EEAP, do Oswaldo Marques. Funcionavam em horários diferentes numa concorrência sadia em proveito dos ouvintes, com discos recebidos do Rio de janeiro. Depois surgiu o “Gigante do Ar”, do nosso querido e atual comendador Delamar Silva, inovando com sugestões de mensagens musicadas endereçadas às namoradas.
Importantes mesmos eram os locutores. O Sousa Lima era o “speaker” da EEAP. Era vidrado nas canções de Dick Farney – precursor da “Bossa Nova” – e nos boleros de Gregório Barrios; fazia-os “rolar”, incessantemente, para o próprio prazer e dos ouvintes também fanáticos. O Raimundinho Santos comandava a locução da EPOS e fazia o estilo mais romântico, apreciador das valsas cantadas pelo Orlando Silva ou Sílvio caldas, e dos “foxes” interpretados pelo Carlos Galhardo ou Nelson Gonçalves. Era praxe o locutor anunciar o nome dos autores e do(a) cantor(a) de determinada música, privilegiando o trabalho dos artistas e facilitando a arrecadação de direitos autorais, prática totalmente desvirtuada no presente.
O Raimundinho Santos, sempre, fazia tocar o “Cinema-do-Ar Lever”, propaganda do famoso sabonete das estrelas do cinema. Narrava a história de algumas delas, suas participações em filmes, suas interpretações de músicas gravadas na memória. Quando estive em Nova York, ainda com suas famosas torres gêmeas do World Trade Center (visitei-as e jantei no restaurante do 104° andar), tive facilidade em reconhecer locais da ilha de Manhattan e de escolher peças em teatros da Broadway. Eram as lembranças bem presentes do “Cinema-do-Ar”.
Hoje, o cinema foi substituído pelos “enlatados” da TV; o rádio é moda de colecionadores; os alto-falantes não tem a mesma importância, estão esquecidos, quase fora de uso, mal utilizados na propaganda de algumas lojas e na mobilização, pelas igrejas, dos seus fiéis.