Traça, estupros e um prato palatável
§ 1
Desde que conheci Oscar Wilde, fiquei profundamente impregnado por suas idéias estéticas -- pela amargura suave e imoral leveza de suas frases de efeito. Ficou em mim a impressão de que uma coisa que vale a pena ser dita, só vale a pena ser dita, se for dita com elegância. Nietzsche já dissera que toda verdade chega suavemente, como pomba - vem dançando na ponta dos pés, meiga bailarina que é. Chega a ser óbvio, conquanto elitista, que a verdade não se veste de frangalhos (cristãos, perdoem). Pelo que dizê-la por palavras toscas é semelhante a estuprá-la, desonrá-la, envergonhá-la publicamente. É como ver um bufo tirar as roupas de uma rainha e bolinar seu sexo diante dos olhares grotescos de falsos súditos que aplaudem, a boca cheia de baba, o espetáculo bizarro.
§ 2
Em Caxias, o mito da "terra dos poetas" alimenta as ilusões de alguns bufos que sobem o leito da rainha para abusá-la, na penumbra da ignorância. Alguns trajam de eruditos e, efetivamente, são (mas num sentido específico e nada nobre). Aquele tipo de erudito desdenhado por Erasmo, desprezado por Schopenhauer, ironizado por Machado de Assis. Aquele que, como traça, vive de devorar miudezas e dedica sua existência ao acúmulo de informações, mas as informações acumuladas nunca chegam a se tornar conhecimento. Eles escrevem com infértil prolixidade e preciosismo, mas não são capazes de desenvolver um (1) raciocínio com premissa e conclusão. E, pior, após uma vida acumulando matéria prima, não podem ainda formular um pensamento genuinamente seu: suas obras começam, terminam e nada é acrescentado à cultura de sua sociedade - se elas não existissem, a cultura seria mais rica. E aquela matéria prima acumulada fica sem tratamento: é barro puro - nas mãos de um escultor, seria arte.
§ 3
Escrever exige pensamento, e pensamento próprio, original. Quem não tem nada a dizer, não deve empatar o tempo de um inocente leitor com textos sem propósito, uma vez que o charlatanismo do mau autor só é descoberto após um longo desperdício de páginas. E ter informações para comunicar não é motivo legítimo que habilite alguém a escrever e publicar: pensar é dar tratamento à informação, e escrever é dar à informação assimilada uma forma agradável, inteligível, absorvível para o leitor. Assim como para o cozinheiro não bastam os ingredientes, mas ele precisa de talento, habilidade e bom gosto para servir um prato palatável.
Isaac Rehl
* Ensaio extraído do Diário da Causthica,
na Causthica Revista Cultural